sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Trovadorismo


O Trovadorismo é considerado o primeiro movimento literário da língua portuguesa e surgiu no mesmo momento em que Portugal se tornava independente. A primeira cantiga trovadoresca que se tem registro data de 1189. O Trovadorismo conheceria seu fim em meados de 1418, quando Fernão Lopes é nomeado Guarda-mor da Torre do Tombo, o ponto de partida do Humanismo.

Espanha e Portugal eram só um reino naquela época e falavam a mesma língua, o galego-português ou português arcaico (com origens no latim). Posteriormente, com a delimitação das fronteiras e o reconhecimento do reino português como independente (1128), a língua foi se distanciando e deu origem ao português e ao espanhol: línguas próximas e em muito semelhantes.

Vejam bem, estou falando do início do milênio. O contexto histórico aponta para o feudalismo e o pensamento medieval, que ainda eram muito fortes. Afinal, as primeiras cidades ainda estavam surgindo.


Os feudos eram sociedades ruralizadas, cuja economia era baseada na agricultura de subsistência. Logo, a terra era a principal fonte de riqueza e poder. A hierarquia feudal pode ser dividida em quatro:

a. Rei ou Senhor Feudal: Considerado o representante de Deus na Terra.

b. Sacerdotes: Tinha o clero como a figura mais importante, uma vez que se acreditava que ele podia se comunicar com Deus.

c. Guerreiros ou Nobreza: Os guerreiros eram membros da nobreza e aristocratas que partiam nas Cruzadas (luta pela retomada da terra santa - Jerusalém - e expansão da fé cristã), pois lutar em nome de Deus era, acima de tudo, uma honra, um privilégio. Os mais pobres iam quando lhes era prometido a redenção de seus pecados e o paraíso. Eram os membros da nobreza também os proprietários de terra, que gozavam dos direitos senhoriais (cobrança de impostos e aplicação de justiça). 

d. Camponeses: Os camponeses eram responsáveis pelo cultivo dessas terras. Os servos submetiam-se à exploração de seu senhor em troca de proteção em tempos difíceis. Os servos estavam sob dependência de seus suseranos (a nobreza), não eram alfabetizados e formavam a camada mais pobre dos feudos.


O pensamento medieval era teocêntrico (do grego "theos" Deus + "kentron" centro) e configurava-se por fazer o máximo para atender os desejos de Deus. A igreja tinha o poder de condenar as pessoas e o que julgava como errado, por exemplo, o comércio que visava lucros.

Ou seja, para a igreja o homem não deveria trabalhar com a finalidade de enriquecer. Assim, cada um deveria ficar na posição em que se encontrava e não desejar ser mais do que era ao nascer. A influência da Igreja era tão forte que a construção de uma catedral, essencial em qualquer feudo da época, era acompanhada por toda a população. Desenvolvia-se a arquitetura gótica, que buscava alcançar os céus através da indução da perspectiva para o alto.

Toda e qualquer manifestação artística durante essa época era voltada para o louvor de Deus. E é agora que, de fato, entramos na literatura.


Os poetas do Trovadorismo são chamados trovadores. Pertencentes à pequena nobreza (afinal, eles compunham canções, então eram alfabetizados), transitavam de um feudo para outro cantando e animando a vida nos feudos. O instrumental musical que tocavam era, geralmente, o alaúde.

As cantigas trovadorescas marcaram a mudança da língua do latim para o galego-português e a mudança do assunto da liturgia católica para o cotidiano das pessoas.

As cantigas trovadorescas podem ser divididas conforme mostra a figura a seguir.


As cantigas líricas tratavam de temas amorosos e das aventuras dos cavaleiros em busca da honra e do amor de uma donzela. Sugiro que leiam as características busquem-nas nas cantigas para fixar o assunto.

a. Cantiga de Amor
  • Eu-lírico masculino, o homem que fala;
  • Diálogo direto (o cavaleiro conversa com a amada);
  • Ausência de paralelismo ou leixa-pren;
  • Sofrimento por amor não correspondido, "coita amorosa";
  • Ambiente da corte;
  • Linguagem ousada e conquistadora;
  • Refere-se à amada como "minha senhora", "formosa senhora" ou "minha dona";


Exemplo:
Ai eu coitad! E por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi. 

Tam comprida de todo bem,
per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

Ca lho nego pola veer,
pero nona posso veer!

(Pero Garcia Burgalês)

b. Cantiga de amigo

  • Eu-lírico feminino, a mulher que fala;
  • Diálogo indireto, a mulher fala com um confidente;
  • Presença de refrão, paralelismo e leixa-pren;
  • Lamento da moça cujo amado está longe;
  • Ambiente rural;
  • Linguagem discreta;

Exemplo:


Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
     Ai Deus, e u é?

Ai, flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
     Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo!
     Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi ha jurado!
     Ai Deus, e u é?

(D. Dinis)

Aí me perguntam: O que diabos é paralelismo e leixa-pren?


Paralelismo: É a repetição quase total de um verso (clique na figura acima para ampliar se for necessário). Percebemos essa quase-repetição nos versos "ai flores, ai flores do verde pino" e "ai flores, ai flores do verde ramo" ou "aquel que mentiu do que pos comigo!" e "aquel que mentiu do que mi ha jurado!", por exemplo. Em azul, sublinhei o que seria o refrão da cantiga, "Ai Deus, e u é?".


Leixa-pren: "Deixa e pega de volta", é pegar o segundo verso de uma estrofe e repeti-lo em outra posição. No poema, isso acontece com os versos "se sabedes novas do meu amigo" em roxo, e "se sabedes novas do meu amado" em amarelo.

Fácil, não?


Quanto às cantigas satíricas, elas eram verdadeiros documentos da vida social e com o tempo passaram a ser usadas para cantar gozações e maledicências. Quero frisar que a classificação das satíricas não é mais cobrada nos vestibulares devido à discordância entre os próprios estudiosos em relação ao assunto. Porém, vamos seguir:

a. Cantigas de Escárnio:
  • Mais indiretas, nunca se dizia o nome da pessoa;
  • Ironia leve;
  • Ambíguas;


Ai, dona feia, foste-vos queixar
que nunca vos louvei no meu trovar;
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvarei sempre;
e vedes como vos quero louvar:
dona feia, velha e demente!

Dona feia, se Deus me perdoar,
pois tendes tão grande desejo
que vos eu louve, por este motivo
vos quero já louvar sempre;
e vedes qual será o louvar:
dona feia, velha e demente!

(João Garcia de Guilhade)

Percebam a indireta em "ai, dona feia, foste-vos queixar" e a ironia do autor em "mas agora quero fazer um cantar/ em que vos louvarei sempre", visto que o trovador fica irritado pela mulher nunca ter sido citada em uma cantiga sua.

b. Cantigas de Maldizer:
  • Diretas;
  • Ofensivas;
  • Difamatórias, com palavrões e xingamentos;


Conheceis uma donzela 
por quem trovei e a que um dia 
chamei de Dona Beringela? 
nunca tamanha porfia 
vi nem mais disparatada. 
Agora que está casada 
chamam-lhe Dona Maria.

[...]

Pois que se tem por formosa
quanto mais achar-se pode, 
pela Virgem gloriosa! 
um homem que cheira a bode 
e cedo morra na forca 
quando lhe cerrava a boca 
chamou-lhe Dona Gondrode.

(D. Afonso Sanches)

Percebam como o trovador expôs a mulher nesta cantiga de maldizer, inclusive citando seu nome.

Ficou clara a diferença entre uma e outra? 


Na prosa o trovadorismo foi expressivo nas novelas de cavalaria, que apareceram em plena Idade Média, escritas com caráter moralizador e cristão, típicos do teocentrismo da época e do poder irradiado pela Igreja Católica. Suspeita-se que elas eram feitas pela própria Igreja.

A novela mais importante da época é a Demanda do Santo Graal, onde é narrada a busca do Santo Cálice, no qual teria sido recolhido o sangue de Jesus na cruz. A busca acontece porque o Rei Arthur estava muito enfermo e seu reino em decadência. Acreditava-se que somente o Graal resolveria todos os problemas.

Espero ter ajudado vocês. Até a próxima!

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